segunda-feira, 10 de dezembro de 2007
DIREITO, FRATERNIDADE E A ESPIRITUALIDADE DA UNIDADE Luiz Pierre (tradução e adaptação de texto de Gianni Caso)
DIREITO, FRATERNIDADE E A ESPIRITUALIDADE DA UNIDADE
Por Pierre Luiz em Comunhão e Direito · Editar documento
DIREITO, FRATERNIDADE E A ESPIRITUALIDADE DA UNIDADE
Luiz Pierre (tradução e adaptação de texto de Gianni Caso)
O Direito e a Justiça
O termo Justiça pode ser empregado com vários sentidos, assim como para indicar a Instituição do Poder Judiciário, os Fóruns e até mesmo como o conjunto de normas jurídicas.
Existe sempre a expectativa de que a instituição judiciária “faça” justiça, recomponha a ordem e o equilíbrio social. Na verdade, o ordenamento jurídico composto das normas deveria traduzir o dever ser da sociedade.
Uma lei pode ser justa ou injusta, na medida em que promove o bem comum ou o compromete. A lei, na sua elaboração, sofre a influência dos interesses daqueles que compõem o poder legislativo, assim como a para sua aplicação tem a interpretação dada pelos juízes que também são portadores de ideologias e isto se faz sentir ao julgar. O juiz deve ser imparcial, porém não consegue ser neutro.
Contudo, antes da legalidade vem a justiça, porque todos os atos do homem têm um aspecto social e, portanto, estão submetidos à justiça. Somente com o respeito integral à pessoa humana se poderá fazer justiça, com aplicação dos princípios contidos no direito natural, que dá a cada um aquilo que ele necessita para ter uma vida digna e não conceder somente o que é prescrito na lei.
É diante deste quadro queremos refletir sobre a justiça à luz da espiritualidade da unidade.
2) Como nasceu a espiritualidade da unidade
No momento em que Chiara diz que nascemos para ajudar a atuar a unidade no mundo, ela nos oferece uma síntese da espiritualidade da Obra de Maria (a espiritualidade da unidade) e um programa de vida para todos aqueles que aderem a esta proposta. Sabemos que os pontos da espiritualidade da unidade não nasceram de pesquisas, tampouco de projetos teóricos, mas nasceram da vida. Cada experiência vivida nos primórdios do Movimento iluminava um aspecto a ser aprofundado no dia-a-dia.
Era o ano de 1944 e a guerra avançava por toda Itália. Chiara nos narra, como neste contexto, Deus colocou a unidade em seu coração: “Com minhas novas companheiras me encontro um dia num porão escuro, com a vela acesa e o Evangelho nas mãos. Eu o abro. Cai na página da oração de Jesus ao Pai, antes de morrer: “Pai.... que todos sejam um”.
Foram as palavras de Jesus antes de sua morte. Era o seu testamento. Se a lei considera a última vontade de cada cidadão como sua vontade determinante, qual o respeito que devemos ter pelo testamento de um Deus que pede “que todos sejam um”? Um como é um, Ele e o Pai?
Continua Chiara dizendo que, na Festa de Cristo-Rei daquele mesmo ano, ao redor do altar, ela e suas companheiras, colocam suas vidas à disposição de Deus para a realização do desejo de unidade de Jesus e fica fascinada com a liturgia do dia que diz: “Pede-me e te darei as nações como herança e as extremidades da terra como propriedade.” Conclui Chiara dizendo: “Pedimos: Deus é onipotente.”
Neste clima de vida sobrenatural, em meio às bombas da guerra, acontece a descoberta mais fascinante que se pode fazer: Deus é amor. E, se tudo passa, se tudo é vaidade das vaidades, qual o ideal que posso escolher para a minha vida? Deus. Este é o único ideal pelo qual vale a pena dar a própria vida.
Mas como colocar esse Ideal em prática? A resposta é imediata, do próprio Evangelho: “Não quem diz Senhor, Senhor...mas quem faz a vontade de meu Pai...” A vontade de Deus. Viver intensamente a vontade de Deus no momento presente da vida para atuar a unidade. Desse modo, começaram a brotar os pontos da espiritualidade: Deus-Amor; a vontade de Deus; amor ao próximo; o amor recíproco; Jesus em meio; a unidade; a Palavra de Vida e Jesus abandonado, como a chave para a realização da unidade. Tudo nasce com a vida.
A pergunta agora é dirigida a nós do Mundo da Justiça. Diante de toda a realidade que nos cerca e que nos espera amanhã e considerando o que estamos vivendo neste Congresso, como colocar em prática esta escolha pela busca da fraternidade cristã na sociedade e em especial nos nossos ambientes de trabalho, como operadores e aplicadores do direito?
No mundo jurídico, dos processos, as contraposições entre os sujeitos dos relacionamentos podem ser acentuadas. Esta situação num primeiro momento, pode parecer uma situação inerente e intransponível ou insuperável.
Porém, segundo outras concepções e, certamente, conforme a nossa proposta do Mundo do Direito e da Justiça, o sistema jurídico, nasce da exigência de compor relacionamentos interindividuais de liberdades conflitantes, ou seja, de recompor conflitos e interesses.
Fraternidade
Fraternidade, solidariedade, a busca de um mundo que se interessa pelos mais desprotegidos. Esta é a ansiedade de tantos. A fraternidade, que todos somos filhos de um único Pai e somos irmãos foi mensagem trazida por Jesus. A unidade é o ápice desta fraternidade, é a luz que ilumina as ações e dá alegria a quem coloca em prática o amor desinteressado.
Todavia, é certo que as relações entre os homens nascem de uma exigência de sociabilidade e do fato de que características constitutivas da pessoa humana, só podem atuar nas relações com os outros.
Sendo assim, o direito deve concorrer para realizar tais finalidades, reconhecendo e tutelando as relações de sociabilidade, sustentando-as em seus concretos desenvolvimentos. O Direito é o dever ser que serve de base para a recomposição do desequilíbrio da sociedade entre o forte e o fraco.
De fato, a atividade humana se torna jurídica no momento em que se estabelecem relações entre as pessoas, que o direito reconhece e protege, reforçando no plano jurídico os direitos e deveres dos cidadãos, seja dos relacionamentos, seja das suas situações jurídicas.
Com base em apontamentos de Gianni Caso, juiz italiano, Coordenador internacional deste ainda nascente Mundo do Direito e da Justiça, queremos agora desenvolver o seguinte tema:
Como é possível, dentro desta realidade, viver os aspectos da Espiritualidade da Unidade, para contribuir na construção de um novo modo de agir no campo jurídico e criar uma nova cultura da justiça, com base na unidade e na fraternidade.
Deus-amor
Deus que ama e é Pai possibilita a fraternidade.
“Encontramos nos Atos dos Apóstolos um esplêndido testemunho do apóstolo Paulo quando se dirigia aos responsáveis da Igreja de Éfeso (At., 20,24): “Todavia, aquilo que mais me importa não é a minha vida, mas concluir a minha corrida e a missão que o Senhor Jesus me confiou: anunciar a todos que Deus ama todos os homens”.
Deus que é Amor e ama a todos os homens, foi e permanece o ponto de partida das nossas reflexões e das nossas ações, com as devidas conseqüências no plano da atividade da administração da justiça e o que isto pode representar. Se todos os homens são amados por Deus, então também o Mundo da Justiça deve desenvolver-se segundo esta inspiração.
Cada cidadão que procura a atividade da justiça, certamente a ela recorre para o reconhecimento do seu direito ou é aquele em cujo confronto a justiça será administrada. Uma reta administração da justiça se configura, portanto, como condição indispensável para que se desenvolva segundo esta fundamental inspiração.
Por reta administração da justiça se entende uma justiça não desviada de suas finalidades ou baseada em interesses ilícitos, nem sendo instrumentalizada para outros fins que não sejam aqueles de dar resposta a quem procura a justiça. Deus-amor não pode deixar de revestir a atividade da justiça sob pena de frustrar a própria atividade da justiça.
A resposta ao amo de Deus é a atuação da sua vontade.
A Vontade de Deus.
Não agir de modo incorreto, certamente é expressão de uma precisa vontade de Deus para os operadores da justiça. Mas, existe também uma conduta positiva que, também esta é uma Vontade de Deus a ser observada, isto é, redescobrir e recuperar o sentido e o valor da própria profissão e da própria função e atuá-la completamente.
Devemos, portanto, ter consciência de que o ato que cumprimos no momento presente tem repercussões, e às vezes decisivas, sobre aqueles em relação aos quais, com posições diversas, somos chamados a desenvolver a nossa atividade de operadores da justiça. Ademais, devemos redescobrir a verdadeira razão (vera ratio) do processo e adequar o nosso agir, a fim que esse sirva a dar realmente resposta a quem procura a justiça.
Qual a palavra que pode significar a Vontade de Deus como dever específico de cada operador da justiça?
Para o advogado: seria a verdade. Fazer emergir a verdade nos processos;
Para o funcionário público: colaboração, ajudar as partes da relação jurídica naquilo que ela necessita;
Para o juiz: responsabilidade, julgar mediante a consciência das repercussões de seu ato;
Para o promotor de justiça: zelo, na busca da recomposição, através do judiciário, das rupturas da sociedade.
Para o estudante: fidelidade. Ser fiel e radical aos princípios éticos e coerentes com a busca da fraternidade.
A Palavra de Deus.
João Paulo II numa audiência geral em outubro de 2002, comentando uma passagem do profeta Isaías, relembrou que “Deus não pode tolerar a iniqüidade, a corrupção e a injustiça.”; e em relação aos que crêem, chamou-os aos seus empenhos morais segundo o Profeta.
O primeiro empenho consiste no “caminhar na justiça”; o segundo, “no falar leal e sincero, sinal de relacionamentos corretos e autentico”; o terceiro, “no rejeitar o ganho que seja fruto de propinas”, combatendo assim a opressão dos pobres e a riqueza injusta.
Os que crêem, então, se empenham em condenar a corrupção política e judiciária., “sacudindo as mãos para não aceitar presentes (subornos)” que têm a finalidade de desviar a aplicação das leis e o andamento da justiça.
Olhando no nosso dia-a-dia, esta atitude nos deve levar a refutar comportamentos e hábitos que, mesmo sem ter intenção abertamente iníqua, possam, todavia, desviar o curso da administração da justiça da sua reta aplicação.
Pensamos, por exemplo, nos ganhos de honorários que podem se tornar o fim exclusivo como fundamento da atividade profissional, prescindindo do verdadeiro interesse do cliente; ou ainda, fundar-se sobre o carreirismo, sucesso pessoal, etc.
A Arte de Amar
Na atividade judiciária amar não se identifica com uma atitude sentimental, frágil e condescendente, mas exige comportamento forte e autentico.
Porém, o amor evangélico nos pede para amar a todos, amar por primeiro, fazer-se um, amar até mesmo o inimigo (no caso, o antagonista, o opositor), seja a outra parte ou seu advogado.
Amar a todos
Amar a todos traz efetiva igualdade entre todos os homens. Amar a todos, de fato, realiza concretamente a tutela da paridade na dignidade dos homens. O preceito de amar a todos, pressupõe e compreende que todos são efetivamente iguais em dignidade.
O cumprimento deste preceito do Evangelho, de amar a todos, e que também se encontra nas Escrituras de todas as Grandes Religiões, elimina as discriminações. Este preceito então, deve ser vivido nos relacionamentos, tanto de natureza pública, como de natureza privada.
Como nos relacionamentos de matrimônio e de família, de trabalho, etc, assegurando concretamente, no desenvolvimento de tais relacionamentos, o pleno respeito pela dignidade do outro.
Amar por primeiro
Para amar por primeiro devemos cumprir espontaneamente e de modo imediato, o que é devido para realizar o direito das partes. Distinguem-se diversos momentos nos relacionamentos jurídicos intersubjetivos. A título de exemplo, podemos considerar a fase que prepara a instauração de uma relação jurídica.
Nesta fase, amar por primeiro, deve considerar não somente o próprio interesse, mas a boa-fé do relacionamento em si mesmo, e aquilo que possa corresponder ao bem das partes.
Hoje, o próprio Código Civil brasileiro determina esta atitude: “Os contratantes são obrigados a guardar, assim, na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé”.(art. 422 do CC).
Amar por primeiro, portanto, nos leva a determinamos com reta consciência, do bem a ser conseguido e com honesta intenção e isto também está definido em nosso Código Civil: “A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato” (art. 421 do CC). Portanto, é preciso considerar o direito da outra parte, as suas justas razões.
Nos processos penais, devemos conhecer a situação social, familiar e ambiental do imputado; as circunstâncias e os motivos do delito, como melhor avaliar a sua conduta e a responsabilidade.
No plano das relações entre os operadores do processo, amar por primeiro quer dizer dar o justo espaço e a justa consideração à atividade de cada operador e valorizar a cooperação, ao invés da indiferença ou da contraposição processual que objetiva unicamente a fazer prevalecer a própria posição sobre a do outro, com prejuízo também para a justiça.
Para os juízes e promotores de justiça, amar por primeiro significa avaliar profundamente os fatos e as fontes de provas antes de expedir medidas restritivas das pessoas e coisas e, sobretudo, excluindo das próprias determinações toda emotividade ou avaliação particularista.
“Fazer-se um”
A prática do “Fazer-se um” pode ser vivida por todos os operadores jurídicos, ao consentir que o outro se exprima totalmente, poder ajuda-lo a colher, na própria situação jurídica aquilo que é realmente justo.
Da parte dos juizes este aspecto pode ser vivido procurando conhecer melhor as posições em conflito e as razões das partes. O “fazer-se um” não diminui, portanto, a função de cada um dos operadores da justiça, e nem torna ineficaz a sua correta ação.
Nas deliberações que se devem tomar, o “fazer-se um” pode ser atuado ouvindo a fundo os outros componentes do colégio e expondo responsavelmente as próprias opiniões. Se isto é feito reciprocamente, como é de dever, e com a única intenção de chegar a uma decisão justa, haverá mais luzes para conseguir uma solução conforme a verdadeira justiça.
Significa, ainda, antepor ao exercício do próprio direito a consideração da situação do outro: pede naquele momento apenas o que o outro pode dar. E, tudo isto é vivido reciprocamente, e somente assim se realiza a comunhão que é a finalidade das relações entre os homens e que o direito deveria favorecer.
Amar o inimigo
O Evangelho empenha nossa ação até o ponto de amar o inimigo, que é uma exigência humanamente difícil, que, porém, na luz da revelação de Deus que é Pai e “faz chover sobre os justos e sobre os injustos”.
Vemos, portanto, que amar o inimigo certamente não implica na aceitação da ação injusta ou iníqua (cf. Mt. 15,19; 18,6-9; 23,27-28). Amar o inimigo, portanto, é considerado distinto da condenação do mal. Tal amor, todavia, que deve chegar ao perdão (Mt. 18,21-22), nos leva a ver no autor do delito ou do erro um homem que tem necessidade, como todos, de amor.
No exercício da defesa do próprio direito em juízo, seja civil ou penal, a exigência de amar o inimigo, evangelicamente, deve ser vivida e pode concretizar-se no reconhecimento das razões das partes e dos elementos a elas favoráveis. Façamos, pois, uma consideração em relação aos instrumentos jurídicos da reconciliação: anistia, indulto e graça no campo penal; conciliações e mediações no campo civil ou trabalhista.
O uso destes instrumentos deveria conduzir realmente à reconciliação: entre dois adversos, nas lides cíveis, e entre os réus e a comunidade, no campo penal. Pois é esta a finalidade última da justiça: recompor a comunhão.
O amor recíproco
Enfim, vamos considerar o amor recíproco nos relacionamentos jurídicos; o significado, a importância e a relevância vividos entre os sujeitos, entre os quais ocorre o relacionamento jurídico.
Quanto ao cumprimento do preceito do amor recíproco, pode levar a realizar, de modo pleno, os relacionamentos e pode assegurar a realização plena dos direitos e das expectativas de cada parte, para a unidade do relacionamento!
A vivência do amor recíproco nos relacionamentos jurídicos, não pode ser confundida com os princípios de reciprocidade, notadamente, por exemplo, do direito internacional. Tais reciprocidades ficam no âmbito do ut des: concede-se alguma coisa no âmbito da própria ordem jurídica com a condição de que o outro faça o mesmo. Desse modo nos mantemos no plano do comutativo.
O amor recíproco é diferente. Neste, cada sujeito ama o outro. O amor para o outro vem antes; isto vale para ambos os sujeitos. O que domina é a alteridade; cada sujeito pensa no outro, não em si mesmo. A reciprocidade está no fato que cada um faz o mesmo; essa é a conseqüência do amor que parte simultaneamente dos dois lados.
O amor recíproco implica, portanto, no superamento dos interesses egoísticos, que ainda contrapõe-se às concepções das posições jurídicas das partes e que condiciona fortemente seus atos e comportamentos, também no que diz respeito ao cumprimento das obrigações contratuais.
Se o direito é relacionamento, como nos dizem os especialistas, constatamos imediatamente quanto esta reciprocidade se torna a categoria fundamental da composição jurídica. Realmente, essa atua de modo pleno a juridicidade dos comportamentos e permite realizar os relacionamentos segundo a finalidade própria, para o bem de cada parte, para as quais o processo foi constituído.
Justiça Maior
Devemos ter presente o que Paulo exprime quando anuncia: “Não sejais devedores de coisa alguma a ninguém” (RM 13,8).
Jesus declara ainda que tem uma “justiça maior” (Mt 5,20).
Qual é esta “justiça maior” nos ensina o próprio Paulo no texto citado, quando acrescenta: “mas sejam devedores de amar-vos uns aos outros”, onde, ao lado do dever de pagar os próprios débitos (justiça menor), anuncia a existência de um débito permanente que é aquele do amor recíproco, que é a caridade. A Justiça maior é a caridade!
Na espiritualidade da unidade, se desejarmos construir uma justiça maior, temos que ser especialistas e competentes nas nossas áreas de atuação e temos que buscar a fraternidade com radicalidade, não individualmente, mas unidos entre nós.
“O que é impossível a milhões de homens isolados e divididos, passa ser possível a quem faz do amor mútuo, da compreensão recíproca, da unidade, o motor essencial da vida.” Para isto há um porquê. “Um elemento preciosismo que diz: Onde dois ou três estiverem reunidos em meu nome, ali estou eu no meio deles.”
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