sábado, 16 de julho de 2011

DIREITO CANÔNICO - OS BENS ECONÔMICOS DA PARÓQUIA E O CONSELHO PAROQUIAL PARA OS ASSUNTOS ECONÓMICOS

"OS BENS ECONÔMICOS DA PARÓQUIA
E O CONSELHO PAROQUIAL PARA OS ASSUNTOS ECONÔMICOS"(*)
(cânn. 531-532; 537; cfr. cânn. livro V)

As normas referentes ao ordenamento econômico da paróquia estão contidas nos cânn. 531-532; 537 . Estas normas específicas devem, porém, ser comple¬tadas com aquelas mais gerais contidas nos cânones do livro V.
A seguir veremos: o sistema de retribuição econômica dos ministros sagrados na paróquia (cân. 531; cfr. cân. 551) (par. 11.1); a representação jurídica da paróquia (cân. 532; cfr. cân. 543, § 2, n. 3) (par. 11.2); o conselho paroquial para os assuntos econômicos (cân. 537) (par. 11.3).

11.1 O sistema de retribuição econômica dos ministros sagrados na paróquia (cân. 531; cfr. cân. 551)


« Ainda que outrem haja desempenhado algum múnus paroquial, as ofertas que por esta ocasião recebe dos fiéis entregue-as ao fundo paroquial, a não ser que conste da vontade contrária do oferente no que respeita às ofertas voluntárias; ao Bispo diocesano, ouvido o conselho presbiteral, compete estabelecer as prescrições com que se providencie ao destino destas ofertas e ainda à remuneração dos clérigos que desempenhem o mesmo ministério » (cân. 531).
a) Para compreender as palavras do Código: « Ainda que outrem haja desempenhado algum múnus paroquial, as ofertas que por esta ocasião recebe dos fiéis entregue-as ao fundo paroquial », é necessário recorrer ao cân. 530, não porém na forma atual, mas na forma originaria, ou seja, na do Schema 1977, cân. 363, onde se tratava das funções « que o pároco deve cumprir pessoalmente ». Norma — como já disse (cfr. capi-tolo 4, par. 4.7.2, d) — contida no Código precedente sobre as « funções reservadas ao pároco » (cfr. cân. 462).
De fato a sobredita norma da reserva de funções ao pároco tinha importância também econômica. O Código pre¬cedente falava, com efeito, das « funções reservadas ao pároco » porque a renda destas competiam somente do pároco, ainda que as funções in questão tivessem sido desempenhadas por outros ministros na paróquia; excetuavam-se as somas ofertadas à pessoa do celebrante além da espórtula ou a título diverso da atividade in questão.
b) No novo Código, ou seja, no cân. 531, a coisa muda, e profundamente. As somas provenientes da atividade litúrgica devem, efetivamente, ser entregues não à pessoa do pároco, nem de um outro ministro, mas à caixa paroquial; devem portanto ser conferidas não aos ministros enquanto pessoas físicas, mas à paróquia mesma, enquanto pessoa jurídica. O testo do cânon afirma, ademais, ao menos implicitamente, que do fundo paroquial, ou seja, dos bens da paróquia come pessoa jurídica, se retiram as somas necessárias para a remuneração dos ministros sagrados, isto é do pároco e dos demais *.
c) Importa ainda prestar atenção às palavras do cân. 531: « [...] ao Bispo diocesano, ouvido o conselho presbiteral, compete estabelecer as prescrições com que se providencie ao destino destas ofertas e ainda à remuneração dos clérigos que desempenhem o mesmo ministério ».
Quais são « estas ofertas »? O texto do próprio cânon que precede as palavras ora citadas fala quer das ofertas dadas por ocasião do cumprimento dos encargos paroquiais, quer de ofertas voluntárias, isto é, dadas não por ocasião do cumprimento dos sobreditos encargos, mas de modo espontâneo . Não creio que as ofertas voluntárias devam ser entregues ao fundo paroquial, mesmo que isto seja possível, nem creio que o Bispo diocesano deva estabelecer alguma coisa em propósito. Creio, porém, que o Bispo diocesano deva emitir apenas as normas referentes ao fundo paroquial e à retribuição dos ministros sagrados, com as somas tiradas do mesmo fundo .
d) E disto deriva uma última observação. O Código efetivamente afirma, pelo menos implicitamente — como já salientei acima —, que se devem retirar da caixa paroquial as somas necessárias para a remuneração dos ministros sagrados, ou seja, do pároco e dos demais.
Disto podemos notar que no novo Código a remu¬neração dos ministros sagrados configura uma relação que se dá não mais, come no Código precedente, entre o fiel, que frui da função sacra, e o pároco, que celebra a mesma função, mas entre a paróquia pessoa jurídica e os ministros adidos a ela.
Nem devemos esquecer o cân. 1274, § 1, que prevê o sistema de sustentação dos clérigos e contudo pre¬cisa: « [...] a não ser que já se tenha providenciado de outra forma ».


11.2 A representação jurídica da paróquia (cân. 532; cfr. cân. 543, § 2, n. 3)

« Em todos os negócios jurídicos, o pároco representa a paróquia, nos termos do direito; vele por que os bens da paróquia sejam administrados nos termos dos cânn. 1281-1288 » (cân. 532).
a) « Representar a paróquia » significa representá-la « juridicamente » (cfr. cân. 118), isto é — como se expressa o texto — nos « negócios jurídicos », ou seja, naqueles atos que modificam a posição jurídica, como são as disposições patrimoniais.
« Nos termos do direito » pode indicar em particular o fato de que o representante jurídico não pode agir sempre e sozinho por sua autônoma vontade, mas às vezes deve obter o consentimento, às vezes o conselho de outros sujeitos (cfr., por ex., os cânn. 127; 129lss).
No caso do grupo de sacerdotes que governam in solidum uma paróquia, « em assuntos jurídicos só o moderador representa a paróquia ou conjunto de paróquias que foram confiadas ao grupo » (cân. 543, § 2, n. 3).
Contudo, é necessário salientar que a representação jurídica da paróquia não pode e não deve limitar-se àqueles atos jurídicos, sobretudo de natureza patrimonial, a que tínhamos aludido, mas falando de modo mais amplo, podemos dizer que o pároco representa a paróquia com personalidade — come se sói dizer — corporativa, de modo que, quando age o pároco, nele age a paróquia (cfr. capítulo 2, par. 2.3.5).
b) Não entendo perfeitamente as palavras cânon: « vele por que os bens da paróquia sejam administrados nos termos dos cânn. 1281-1288 ». Por que se refere somente a estes cânones? A disposição não deveria referir-se a todo o Livro V? Por que, por ex., não se citam os cânn. 1290-1298 sobre os contratos; ou os cânn. 1299-1310 sobre as vontades pias?

11.3 O conselho paroquial para os assuntos econômicos (cân. 537)

« Em cada paróquia haja um conselho para os assuntos econômicos, o qual se rege pelo direito universal e pelas normas dadas pelo Bispo diocesano, e em que os fiéis, escolhidos segundo as normas, auxiliem o pároco na administração dos bens da paróquia, sem prejuízo do prescrito no cân. 532 » (cân. 537).
Acerca deste instituto surgem as seguintes questões.
a) Antes de tudo, por que o Código fala deles? não é um tema inútil? Na verdade, pelo fato de que a paróquia é pessoa jurídica e pelo fato decorrente de que toda pessoa jurídica deve ter o conselho para os assuntos econômicos (cfr. cân. 1280), porque isto é especificamente afirmado a propósito da paróquia? Não deveria ser simplesmente subentendido? . Assim pareceria. Veja-se, porém, quanto se especifica na observação seguinte acerca da natureza própria deste conselho paroquial.
b) Em segundo lugar: como precisamente se deve conceber o predito conselho? As soluções são duas:
aa) o conselho é formado por fiéis e pelo pároco; tal conselho, pois, à maneira de sujeito unitário, delibera os atos administrativos; é, por isso, administrador da paróquia;
bb) o conselho é formado apenas pelos fiéis e dá conselhos ao pároco, que, sozinho, delibera os atos administrativos; o conselho é somente uma comissão de expertos; o pároco é o administrador único.
Qual é a solução correta? Do teor das expressões do cân. 537: « auxiliem o pároco », resulta correta a segunda concepção: o conselho para os assuntos econômicos oferece conselhos a outro sujeito, ou seja, precisamente ao pároco (« auxiliem o pároco »), que é então o único deliberante e, portanto, o único administrador .
Se ora chamamos à mente o já citado cân. 1280, que prevê duas possibilidades, isto é, o conselho de admini¬stração ou ao menos dois conselheiros que ajudem o administrador da pessoa jurídica, esta segunda possibili¬dade se verifica precisamente na paróquia: um único ad¬ministrador, ou seja, o pároco, com o auxílio de alguns conselheiros, isto é, do conselho para os assuntos econômicos.
c) A terceira pergunta respeita o sentido da parte final do cân. 537: « sem prejuízo do prescrito no cân. 532 ». Por que tal acréscimo? Talvez porque a primeira prescrição sobre o conselho para os assuntos econômicos poderia enfraquecer a segunda, isto é, que o pároco representa a paróquia e deve cuidar que os bens da paróquia sejam admini¬strados nos termos dos cânones do livro V? Não parece possível alguma contradição entre as duas normas. Mesmo no caso em que o administrador da pessoa jurídica não é úni¬co, mas é um conselho de administração, há sempre uma pessoa física que é o representante legal da pessoa jurídica mesma.
Mas, talvez, na subjacente à intenção do cân. 537 esteja o temor de que se possa entender o conselho para os assuntos econômicos come um instituto que limita o poder do pároco na administração da paróquia e por isso opera invoca o disposto no cân. 532; mas esta invocação nos parece incongruente.
Note-se, em todo caso, que o texto provém da Comis¬são (cfr., supra a nota 6), em que o conselho era concebido como administrador (dos bens paroquiais e o recurso ao cân. 532 tinha as suas razões: o conselho administre de acordo com as normas do livro V, ao passo que somente o pároco representa legalmente a paróquia.
d) Quarta questão: que hipóteses de relações podemos estabelecer entre o conselho para os assuntos econômicos e o conselho pastoral paroquial?
aa) é bem evidente que não são a mesma coisa. Isto se deduz com facilidade quer do texto do Código, quer da di¬versa finalidade, quer da diferente composição, quer enfim da diferente obrigatoriedade dos dois conselhos.
Iniciando pela diferente obrigatoriedade, a diferença con¬siste nisto: o conselho pastoral paroquial não é obrigatório em virtude da norma do Código, mas se torna obrigatório pela deliberação do Bispo diocesano, de modo que, se o Bispo delibera por tal obrigatoriedade, o conselho se torna obrigatório para cada paróquia da diocese; o conselho para os assuntos econômicos, pelo contrário, é obrigatório para cada paróquia já por força da norma do Código. O pároco deve pois constituí-lo. Se não o constituir, os fiéis podem recorrer à autoridade do Bispo, denunciando a inércia do pároco e requerendo a intervenção do próprio Bispo.
Diferente é a finalidade dos dois conselhos paroquiais: a do conselho pastoral se estende a todas as questões referentes à condução da paróquia (« prestam a sua ajuda na promoção da ação pastoral », come diz o cân. 536; a do outro conselho se limita às questões administrativas (« auxiliem o pároco na administra¬ção dos bens da paróquia », come recita o cân. 537).
Diferente é a composição. Isto, no entanto, não se colhe somente das indicações do Código, que se revelam insuficientes, mas da diferente finalidade: mentre infatti no conselho pastoral « na promoção da ação pastoral » podem participar de per si todos os componentes da paróquia, no conselho para os assuntos econômicos deveriam « auxiliar o pároco na administração dos bens da paróquia » tão-somente aqueles fiéis que são expertos na matéria.
bb) Postas as distinções, que relações se pode pensar que haja entre os dois conselhos paroquiais?
De fato a questão foi posta por um Padre da Comissão Pontifícia antes da Plenária de 1981: « É o¬portuno prever alguma conexão ou relação entre o conselho pastoral e o conselho para os assuntos econômicos? Re¬sposta: não se deve prever nenhuma conexão, porque se trata de órgãos diversos » .
Embora esta resposta seja radicalmente negativa, podemos no entanto indicar duas conexões entre os dois conselhos paroquiais, sobretudo levando em conta que os Bispos diocesa¬nos devem promulgar normas concretas na sobredita matéria e talvez as nossas observações possam resultar úteis.
A primeira conexão diz respeito à finalidade e portanto à com¬petência dos dois conselhos: se é verdade que o conselho pastoral deve tratar questões concernentes à atividade pastoral, ele também pode tratar de questões econômicas, na medida em que estas têm um aspecto pastoral e por isso tocam a atividade pastoral. Ou melhor: há questões econômicas que podem apresentar ao mesmo tempo dois diferentes aspectos, um de tipo mais pastoral e outro já mais técnico. Por exemplo, se uma paróquia recebe em herança una casa e se deve decidir a que uso destinar o imóvel, a que¬stão da destinação da casa apresenta dois aspectos. Um é mais pastoral: para qual finalidade (para as pessoas anciãs ou para a catequese?); e o outro é sobretudo técnico (com que obras de reestruturação? com que fundos?). Do pri¬meiro aspecto cuidará o conselho pastoral; já do outro tratará o conselho para os assuntos econômicos.
A outra conexão concerne a composição: nada impede que o Bispo diocesano estabeleça que alguns membros do conselho para os assuntos econômicos devam ser tomados dentre os do conselho pastoral, desde que sejam realmente expertos em questões econômicas. Tampouco devemos esquecer que antes do novo Código em várias dioceses os conselhos pastorais trazia já em seu cerne a chamada comissão administrativa, razão pela qual podemos deduzir que a conexão a que se alude acima já existia na praxe.


(*)Palestra proferida em julho de 2011 em LONDRINA - PR, no XXVI ENCONTRO DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE CANONISTAS e XXVIII ENCONTRO DOS SERVIDORES DOS TRIBUNAIS ECLESIÁSTICOS DO BRASIL - por S.Excia.Revma.Dom Francesco Coccopalmerio - Arcebispo Titular de Coeliana e Presidente do Conselho para os Textos Legislativos do Vaticano.

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